antónio manuel pinto da silva©
Sonhava com cavaleiros. Andantes. Armaduras de prata ao luar. Galantes. E limpos. Essencialmente limpos. Olhos negros. Pele morena, de preferência. Não era muito chegada a louros e olhos azuis. E aí começava o problema de seus sonhos. A falta de coerência.
Onde, na corte do rei Arthur ou na Bretanha de Ivanhoé, caberiam cavaleiros morenos? Longos cabelos negros. Nem tão lisos assim. Barbas cerradas. Grandes e profundos olhos negros. Mãos de longos dedos. Fortes. E, ainda por cima, limpos! Estes povoavam sua imaginação e a deixavam à beira de um ataque de nervos. De tesão.
Mas, com essa descrição, jamais seriam seus cavaleiros, os heróis. Estavam mais para bandidos, infiéis, ladrões. O que poderia ser facilmente constatado em qualquer filme de quinta ou numa mera revista em quadrinhos.
E ela, a princesa encastelada, como poderia amá-los?
Passava tardes inteiras sonhando em busca de uma solução. E nada encontrava que se adequasse ao espírito dos romances e filmes dos tempos de adolescente.
Tentava se imaginar nos braços de um deus louro, barba fininha, cílios dourados emoldurando olhos azuis, límpidos como a água do mar. Ou o céu da tarde. Tão bravo e gentil. E babaca, pensava. Não lhe inspirava em nada.O menor estremecimento. A mais remota emoção.
Desistiu. Decidiu subverter o enredo. E passou a dedicar-se, com afinco, às aventuras com os, digamos, forasteiros. Nos seus sonhos, era raptada e o mais alto, mais moreno, de maiores e mais profundos olhos negros, barba mais cerrada, caía de paixão por ela. Imaginava tórridas cenas, mais para Nove e Meia Semanas de Amor que para Camelot. E era feliz. Atrapalhada e deliciosamente feliz, na mais louca e incongruente aventura. Onde a princesa morria de tesão pelo galã, que não era nem louro, nem herói. E onde os louros cavaleiros, como bem lhes cabia, lutavam até a morte pra libertá-la. Mas, para a glória eterna de seus nomes, convenientemente, morriam.
Márcia Maia