segunda-feira, 29 de novembro de 2010

via satélite


às quatro da tarde
a lua
       (
        em close
                     )
alta no céu
na tela da tv aparece
            e diz-se luna



Márcia Maia


sábado, 20 de novembro de 2010

A Carta


Agora que é de tarde e já é tarde para arrependimentos, pergunto-me em silêncio: quanto de mim se foi naquela tarde? Ônibus lotado, seis e meia, quase noite. Sem lua.
Onde estaria se tivesse cedido, largado casa e filhos e a mãe já velha, doente?
A mãe disse pra eu ir, é verdade. Que amor não se encontra de novo se deixa-se partir. Que amor corre sempre pra frente, como rio. E perde-se na vida.
Mas fiquei.
E agora, esta carta. Tanto tempo depois.
Caminho até a praça de onde partem os ônibus. (Pra mim, eles sempre partiram.)   E dali ao cais, beira de mar bravio.
Novamente é tarde, seis e meia, quase noite. Sem lua. Azul denso. Maresia.
E ao surgir a primeira estrela, pequenina e minha, como tu dizias, deixo que a carta caia entre as ondas nas águas da noite-mar.
Sem abri-la.



Márcia Maia


terça-feira, 16 de novembro de 2010

brevidade


as palavras se perdem
na pressa dos telefones sem fio

a vida tricota a vida em fios de
não-ditas palavras

e a morte esgarça esses fios



Márcia Maia


sexta-feira, 12 de novembro de 2010

poeminha noturnamente urbano


ruído de automóveis
e vozes embriagadas
mais uma canção de gosto duvidoso
ferem a noite que se queria silenciosa

(o caminhão do lixo parece uma locomotiva)

e nada mais há que fazer
senão desistir do poema e janelas
fechadas deixar-se embalar pelo resmungar
(monotonamente familiar) do aparelho de ar condicionado



Márcia Maia


quarta-feira, 10 de novembro de 2010

novembro 10 7:40


calor de meio-dia às sete e meia
torpor de noite e meia na manhã

o mar se faz deserto liquefeito
pretérito imperfeito de sertão

o rio em água morna se espreguiça
atiça como fogo de braseiro

o cheiro de suor e esse mormaço
(o traço mais constante do verão)

azul o sol explode na fruteira
e inscreve na cadeira essa manhã



Márcia Maia


domingo, 7 de novembro de 2010

Muito além do calendário


O que foi não é mais que aquarela desbotada na parede da alma. Vez em quando encanta. Vez em quando dói. Na maior parte do tempo, entretanto, é um imenso e etéreo quase nada.


Márcia Maia


terça-feira, 2 de novembro de 2010

os mortos


não há mais mortos no dia dos
mortos
mesmo as molduras na parede
mostram-se vazias

(a manhã resplende
os pássaros cantam
a menina chora sozinha no jardim)

e os mortos todos os meus mortos
não passam de lembranças
leves como a brisa
que brinca em meu cabelo todo dia
de manhã



Márcia Maia