sábado, 28 de janeiro de 2012

Meteorologia


magritte©

:

e embora tenha o dia finalmente amanhecido azul, uma nuvem se lhe persistia, pesada e cinza, sob as pálpebras, por trás dos olhos, deixando janeiro escuro e frio, com cara de junho, mesmo havendo retornado, lá fora, o verão.



Márcia Maia


quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

e a dor

























essa que profana os caminhos das tuas mãos
em minha pele e estende-se aguda e
funda a percorrer-me desde o dorso
pelo flanco até o pé

como definitivamente mitigá-la

são-me inúteis os remédios os médicos a poesia
e os poetas como eu e mesmo como tu ainda
que aqui tu estivesses nessa hora
e não estás

e a dor a afirmar-se de mim senhora e soberana
por pirraça ou por vingança ignora o mau poema
com que tento distraí-la e crua
recrudesce



Márcia Maia


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

pacto


tu mentes que vens
e eu que creio e espero
finjo que em nada acreditei

lá fora cantam
os últimos bem-te-vis
é verão e anoitece tarde



Márcia Maia


quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

12.01


pouco importa se cinquenta
trinta e nove
ou
mesmo seis
quando tudo diz de um dia
                um mesmo dia
         que ano
                  a
               ano
se esmera a desdobrar em
chiaroscuro
                en
                cruz
                ilhadas



Márcia Maia



sábado, 7 de janeiro de 2012

o rio


O Rio Capibaribe, no Recife de antigamente
















o sol brinca de potengi nas águas do capibaribe
e brinca de capibaribe se porventura estou lá

o sol sabe de tardes de margens de correnteza e mangue
sabe de igrejas e fortes à beira-rio-quase-mar

o rio por sua vez sabe de água caranguejo e gente
do que se diz do que se vê de quase tudo que se sente

o rio sabe de ser porto e caminho mortalha e berço
acalanto e incelença — todas as cantigas — e mais

sabe ser fêmea bem-amada pelo sol e oferecida
ao rio macho à luz da lua para de novo a amar

e enquanto o sol sonha-se rio e liquefaz-se de poente
o rio mais quer-se rio não sol-no-rio-quase-mar

e brinca de ser potengi nas águas do capibaribe
e insiste em ser capibaribe se porventura estou lá



Márcia Maia


segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

beijo-beijo


roberto candia©
















valia tudo pra ganhar aquele prêmio até passar horas no meio da praça maior calor beijando o namorado da vizinha tão feio que eu sempre tinha tido tanta pena da coitada e não conseguia entender como ela tão bonita perdia tempo com aquele cara com jeito de abobalhado e a cara cheia de espinha e que só podia ter mau hálito nem eu nem ninguém entendia até agora no meio da praça quase esquecida do prêmio carro e viagem pra austrália e mais esquecida ainda da coitada da vizinha em casa com catapora mal começou e eu já tremia ficava toda molhada e de súbito entedia e invejava a coitada da vizinha tão bonita namorar aquele traste e como beijava o dito tão bem que eu nem me lembrava do jeito de abobalhado da cara cheia de espinha sei lá se tinha mau hálito agora só quero é ficar aqui por toda a eternidade boca a boca quietinha maior calor nessa praça no meio de toda essa gente e quando ganhar o concurso dou o carro pra vizinha e levo o cara de espinha junto comigo pra austrália e se ele não quiser ir não tem problema armo o maior barraco ameaço me matar choro grito dou pra ele e em último caso apelo e podem crer o seqüestro e deixo o meu namorado que é lindo de presente pra vizinha



Márcia Maia