quinta-feira, 31 de março de 2011

Insônia


Foi quando começou a ter alucinações. Depois da quinta noite sem dormir, as imagens mais estranhas lhe apareciam subitamente. Para desaparecer logo em seguida. No ar. Pensava nisso agora, enquanto dirigia. Exausto. Onze e meia. Sol a pino. Viu a moça morta aparecer e sumir no banco ao lado. Viu a imensa queda d'água derramar-se sobre o carro. E viu o mesmo caminhão do outro dia avançar na contra-mão. Então, não viu mais nada.



Márcia Maia


segunda-feira, 28 de março de 2011

a hora má



           para Virgínia Woolf, onde e se estiver


e já que não se lhe deixavam
alternativa
pescava junto com os outros
e secretamente pecava
sonhando com o dia em que seria
peixe entre os peixes mais uma
sem nome entre as algas

e eles
— todos eles —
sequer imaginavam



Márcia Maia


sábado, 26 de março de 2011

águas de março


tanto faz se chuva fina
temporal ou mar
de lágrimas



Márcia Maia


segunda-feira, 21 de março de 2011

o poema


parco verso-raro
abismo entre o silêncio e o grito
antes do salto


Márcia Maia


quinta-feira, 17 de março de 2011

Bobagens


Eu te amo, sabia? Ela riu. Sabia. E sabia também que não era verdade. É verdade,  sim, pode acreditar. Mas eu não disse nada, respondeu ainda rindo. Mas pensou, ele disse. Um leve silêncio se fez em ambos os lados da linha. Quebrado apenas pelo sinal de que o tempo da ligação se esgotava e pela voz dela, no último instante dizendo: também amo você. Pode acreditar.



Márcia Maia


segunda-feira, 14 de março de 2011

pedigree

flávio machado©














não há rosas por trás dos muros cor-de-rosa
da casa da poesia

mas touceiras de espinheiros
(entremeadas de marias-sem-vergonha)
violetas orquídeas
borboletas formigas
sapos cigarras grilos
e vez por outra um bem-te-vi

                                        mas não há rosas
                                        (nenhuma rosa)


a poesia (quase sempre) é mais sutil



Márcia Maia

quinta-feira, 10 de março de 2011

inquietudes


é como se uma sala em outra sala
em uma a mais e em outra ainda

dentro eu

nenhuma voz pode alcançar-me
mão alguma

tampouco tu

que te perdeste há tanto
em teus próprios labirintos

e sequer a ti te encontraste



Márcia Maia


terça-feira, 8 de março de 2011

lição de geometria


as solidões caminham lado a lado
no parque da jaqueira
acertam o passo
seguem-se
raramente se ultrapassam
contemplam-se traçando círculos
de silêncio a cada passo
círculos que se rompem quando
findo o exercício
retornam as solidões às suas casas
— em separado



Márcia Maia