quarta-feira, 28 de setembro de 2011

estorvo


finíssima
a poeira preenchia a sala
e pousava
invisível véu rascante
sobre as conjuntivas
deixando além da foto
                          fobia
uma sensação de secura infinda
quase como
caminhar ao entardecer pelo deserto



Márcia Maia


domingo, 25 de setembro de 2011

Fim de Linha


Esperara hora e meia e quando o maldito do ônibus passou, não parou. Mais meia hora, um novo se aproxima, reduz a velocidade e segue adiante, sem parar. Tem impressão de ter visto o motorista observá-la por um instante, antes de tornar a acelerar, mas não tem certeza.
Começa a chover. Chuva de vento, como se já fosse agosto: não adianta tentar se abrigar. Não há mais ninguém na rua, àquela hora. Só ela, a chuva e o ônibus que tarda a passar. Quando, uns quarenta minutos depois, avista mais um se aproximando, toma uma decisão radical e se põe, em pé, no meio da rua, encharcada, acenando com as duas mãos. Das duas, uma: ou o ônibus pára ou a atropela, porque, depois de tantas horas à espera, está disposta a tudo e dali não arredará o pé. E mais uma vez o ônibus passa. Como uma rajada de vento. Morno. Sobre ela. Sem parar.
Exausta, senta-se à beira da calçada. A chuva parou. A noite já quase finda. E em sua mente uma pergunta, como um eco, se repete: terá realmente morrido quando o botijão explodiu na cozinha do motel onde trabalha ou será apenas a continuação do pesadelo onde sonhou a tal explosão? E, por não saber a resposta, permanece à espera do próximo ônibus. Talvez apareça alguém para esperar com ela. Ou, quem sabe, com um pouco de sorte, da próxima vez, haja alguém recém-desencarnado, como ela, à direção.



Márcia Maia


sexta-feira, 23 de setembro de 2011

do contraditório


















maior e muito mais moderno
que o sputinik
[
deve cair à tarde
em alguma lugar a leste dos
estados unidos
                   m
                    a
                    s
                    tranquilizem-
                                     s
                                     e
                      a esta hora
o satélite não se
encontrará sobre a américa
do norte
            ]
a leste mas onde pergunta
inutilmente
o resto do mundo
[
não se sabe
ainda é muito cedo para pre
                                      v
                                      e
                                      r
                     com precisão
a hora e o local do ingresso
                                      ]
then well cara-pálida
digo eu  c
            o
            m
            o decerto diria touro
                              sentado
how can you afirmar
que não cairá em um canto
qual
quer
dos estados unidos
 
           enlighten me please



Márcia Maia


quarta-feira, 21 de setembro de 2011

eulália


nada tinha de árvore
embora nascida em vinte e um de setembro

tampouco de tagarela
como insistia seu nome de batismo

cuidava as palavras
como quem rega a flor mais bela sem colhê-la

sabia-lhes os segredos seu tesouro

e embora nos tenha apartado a bruma da vida
com certeza muito mais os sabe agora



Márcia Maia


domingo, 18 de setembro de 2011

domingo


dia de silêncios
travestidos
de alvoroço


Márcia Maia


sexta-feira, 16 de setembro de 2011

meia-noite e um quarto




passa moto passa ônibus
passa carro a buzinar
                             [
                       roto
                    o
         silêncio
sangra
]

e na vitrola keith jarret
tenta em vão o consolar



Márcia Maia


terça-feira, 13 de setembro de 2011

Porque hoje é 13 de setembro:

Maricota, a valente

 

Tinha pavor de baratas. Nem um leve tremor diante de cobras, víboras, escorpiões. Morcegos então, tirava de letra. Mas, baratas, baratinhas e baratões, a tiravam do sério. Se voadoras então, e havia lido que todas, absolutamente todas, voavam, ficava no mais absoluto estado de pânico. Casada e com filhos pequenos, foi morar numa linda casa de campo. Que ficava na serra do município vizinho. E onde, naturalmente, abundavam as cobras, os morcegos e as baratas. Um dia, filho caçula, um mês e meio, mamando no peito, cadeira de balanço no terraço, pressente algo voador. Imediatamente, o coração dispara, a boca seca. Sente ganas de correr mas não sabe por onde passar, a salvo, pelo monstro voador: a barata. E grita. O bebê, assustado, chora. Súbito, ouve a vozinha da filha de quase dois anos: tenha medo não, minha mãe, eu mato. E, lourinha, de pijama de flanela estampadinha e sandália cor-de-rosa, se aproxima da barata e pisa com toda a força da perninha. Depois diz: pronto. Se chegar outra, pode me chamar.





















 
 


"Tá mãe, tá filha!"


Bota o chapéu, minha mãe! diz a matutinha, vestido vermelho estampadinho, de retalhos e renda-da-terra. A mãe, vestido igual, obedece. Tá mãe, tá filha! declara, feliz, a menininha. E riem juntas, a caminho da fogueira, naquela noite antiga de São João.
Bom plantão, minha mãe! diz a jovem vestida de branco, estetoscópio no pescoço, bata na mão. Pra você também, Lourinha, responde a mãe, vestida igual. Tá mãe, tá filha! exclamam as duas, de repente, ao mesmo tempo, rindo. E quase podem ver São João Menino, abraçado ao carneirinho, rindo junto com elas, antes que se acendam as fogueiras, na noite de São João.



Márcia Maia


Feliz aniversário, minha loura querida. Toda a felicidade do mundo. Meu maior beijo. E meu infinito amor. Sempre.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

a vista distorce o espelho


três mil mortos
dois prédios em escombros
mais um cachorro homenageado com lápide e tudo

                            duzentos e quarenta mil mortos
                         uma cidade em instantes arrasada
       mais cachorros às pencas sem nenhuma lápide

o clamor urdido
                pelos dez anos
                                do despencar
                                               das torres gêmeas
                                                não se viu não se
                                 ouviu nos eua
               em tempo algum
por hiroshima

parece que a vista distorce o espelho

                      e nem se vai falar aqui de nagasaki



Márcia Maia


domingo, 4 de setembro de 2011

upgrade

pedir-te que

el tiempo que te quede libre
si te es posible
dedícalo a mí
                   ”

além de deslavada tolice
é bolero e túnel do tempo em
                                demasia

sobretudo para mim
que
exceto quando estás
                             nu e teso
                    em minha cama

sou mais jazz erudito e rock and roll



Márcia Maia