quarta-feira, 29 de junho de 2011

roteiro adaptado


da janela
te espio a espiar-me
te espiar
ir e vir de olhares e
espelhos
(potência de lentes)
teia que nos ata.

por um instante
distraio-me
e tu
(abandonada a lente)
de mim te aproximas
sorrateiro
rasgando teia e roteiro

e me matas



Márcia Maia


sexta-feira, 24 de junho de 2011

Quadrilha

















Vestido comprido, rodado, de chita estampada, com renda de almofada, babados e fitas. Chapéu de palha, camisa xadrez, calça enfeitada com remendos. Bandeirinhas coloridas de papel, fogueira, fogos, sanfoneiro. E a quadrilha. Padre, noiva, noivo, cabo de polícia e delegado, os pares a dançar enfileirados. Alavantú! Anarriê. Chã de damas. Outra vez. Chã de cavaleiros. Outra vez. Changê. Preparar para o caminho da roça. Caminho da roça. Olha a chuva. Choveu. Olha a chuva. Choveu. O marcador gritava e os pares, dançando, obedeciam. O suor escorria enquanto a noite avançava. Foi quando ele chegou. O antigo namorado. Vestido de cangaceiro. Embrenhou-se pelo meio da quadrilha. E atirou. No hora do casamento. Ninguém atinou que era de vera, o tiro. Ninguém percebeu que, dentre as flores da chita, uma nuvem escarlate apareceu E choveu sobre a blusa, sobre a saia do vestido. Até que a vida partiu. Ninguém notou. E ninguém viu. Até que a lua partiu. Até que o dia raiou. Até que a fogueira se extinguiu. Até muito depois que a quadrilha terminou.


Márcia Maia


terça-feira, 21 de junho de 2011

quase um haicai




















úmida seda
dança de inverno à janela
cortina d'água



Márcia Maia


sexta-feira, 17 de junho de 2011

michael jennifert urek©













o tempo desdobrado
não é tempo
mesmo quando diz-se aniversário
é cheiro de tempo
lembrança de tempo
origami esquecido mofando atrás
das portas do armário



Márcia Maia


segunda-feira, 13 de junho de 2011

impertinência


sei de tantos descaminhos
desolhares desistências
sei como é estar sozinho
sem nenhuma indulgência
sem nunca pedir clemência
sei de mim — um ser marinho
perdido a meio caminho
do deserto na iminência
de esquecer o mar — vizinho
de abismo e insolvência

mas não será desse espinho
que hei de morrer— paciência
a tal vil redemoinho
ofereço a impertinência
de quem conhece a ciência
do sobreviver— sem vinho
herói quixote ou moinho
sigo adiante — e de ausência
cinjo-me enquanto escrevinho
meus versos de inexistência



Márcia Maia


segunda-feira, 6 de junho de 2011

pequenina primavera


por vezes
mesclava-se à paisagem
floria
entre ramos de papoulas
jasmins e romãs maduras

era quase sempre
ao meio-dia
quando imóvel na piscina,
tudo ao redor em si se refletia

numa estranha e colorida simbiose



Márcia Maia