sábado, 14 de maio de 2011

Entre bares e bem-te-vis


Márcia Maia©

















O apartamento não é meu. Não no papel, como se diz. E ao mesmo tempo, é meu por inteiro. Numa esquina movimentada da zona norte da cidade, quase uma ilha cercada de bares, clínicas, salões de beleza, docerias e uma solitária casa lotérica. E ainda sim, uma ilha. De amanheceres azuis e silenciosos. Onde o bem-te-vi canta sempre às cinco e quinze. E o vinvim, logo depois. Antes de os carros começarem a passar. O sol ilumina-o todo o dia e a lua, sem cerimônia, banha varanda, sala, quartos, camas. Tudo por conta das janelas vidro e madeira que se debruçam sobre o jardim e a rua, em toda a extensão de cada cômodo. Coisa (maravilhosa) de mil novecentos e antigamente.
O quarto dos filhos é também o do computador e da televisão. E o beliche, onde dormiam, é meu lugar oficial de ver tevê. Séries, filmes, umas poucas entrevistas, tênis e futebol. Adoro futebol.
O quarto da filha virou quarto de brincar das netas. Casinha da Mônica, estante de jogos e livros, gavetas com papéis, lápis e tintas. Além da mesinha cor-de-rosa, das duas cadeirinhas fixas e mais duas de balanço. Também cor de rosa, como convem a princesinhas.
O corredor é a minha biblioteca de poesia. Duas estantes exclusivas. As estantes da prosa moram no quarto das netas.
Saio para trabalhar cedinho e deixo a cama arrumada. Como na mesa da cozinha, devidamente posta. Não abro mão. Nada de comer em pé ou andando. E isto vale para as três refeições. O telefone tem bina. Só atendo quem quero. O que significa, os amigos. E adeus vendedores de plantão! O som é muito mais usado que a tevê. Como agora quando Rosemary Clooney canta Stormy Weather, combinando à perfeição com a chuva que me obriga a fechar as janelas.
O silêncio foge nas noites de jogo, quando os bares se enchem e os ânimos se inflamam. E no carnaval, ao passarem os blocos. São os sons das paixões e da vida.
Em pleno segundo andar, as copas das árvores, dos dois lados da rua, simulam alegremente uma floresta tropical. Vez por outra um beija-flor voeja sala ou quarto adentro. Um morcego enorme desenha o anoitecer em vôos rente à janela. Sob o sofá, mora uma lagartixa.
E eu vivo entre o aconchego e a correria do trabalho. Muito cansada, às vezes. Com pouca grana. Mas sem ter do que, de verdade, reclamar.



Márcia Maia



3 comentários:

Lou Vilela disse...

Uma belezura, Márcia! Beijos

Manoel Carlos disse...

Saaannntttaaa!
Manoel Carlos

d'Angelo Rodrigues disse...

Quanta beleza! Não é de se estranhar que beija-flores invadam o cenário de seu cotidiano e queiram figurar entre o encanto das suas palavras.