domingo, 8 de agosto de 2010

A Visita





















Depois de subornar três serafins, todo um batalhão de anjos, dois arcanjos e um membro da alta hierarquia celeste, cujo nome, por razões óbvias, não pode ser revelado, finalmente ultrapassou os portões. Que portões? Do céu, elísio, paraíso, nirvana, como quiserem chamar. Que dá tudo no mesmo.
Estranhou no início a falta de vigilância. A sensação de liberdade, mesmo parcial, foi como um vento novo, uma brisa. Tinha apenas quatro horas. Depois de tantos anos, quatro horas! Mas, trato é trato. E este lhe custara caro.
Voltara para ver os filhos. Crescidos já. Um presente que se dava nesse dia. Dos pais. Encontrou-os reunidos em torno da mesa do jantar. Seis. Os filhos dos seus filhos. Quatorze. Seus netos. E as filhas do filho da sua filha: suas bisnetas, tão pequenas, ainda.
Ouviu conversas e risos. Pouco entendeu. Perscrutou suas faces. Os olhos, as bocas, as rugas. Os fios embranquecidos nos cabelos. Os risos. As vozes. Os gestos. Procurou vislumbrar-lhes a alma. Os traços de dor e alegria. Os medos. Os sonhos.
Depois, concentrou-se nos netos. Buscando em cada um a imagem que tinha de seus pais e mães pequenos, crianças ainda. Como eram quando partira. A contragosto, partira, evidentemente.
Súbito, deu-se conta de que, agora, seus filhos estavam, todos, mais velhos do que ele, o pai. Passara o tempo para eles. E se esgotava o seu. Hora de retornar.
Beijou cada um, filhos, netos e bisnetas, sem que o percebessem. Mas, cada um, de repente, sentiu vontade de falar do pai. Que partira há tanto. Do avô. Que não conhecera. Como um lampejo de saudade.
Terminado o jantar, despediram-se rindo e partiram. Ele, inclusive. Antes que para sempre lhe fossem fechados os portões. Do elísio, céu, nirvana, paraíso. O nome que lhe queiram dar.



Márcia Maia

2 comentários:

Antonio Siqueira disse...

Que conto gostoso, Marcia. Adoro vir aqui. Deixo um beijo juntinho com a Mariza.

Antonio

Bia Maia disse...

Sempre que leio, choro pela saudade de tudo que não conheci.
Mas não deixa de ser o meu preferido.

Muitos "lampejos de saudade" do outro lado do atlântico.