quarta-feira, 14 de abril de 2010

Traição



Enquanto ela, malas feitas, pensava se deixava as unhas clarinhas ou se as pintava de vermelho, o telefone tocou. Numa voz quase inaudível, ele lhe diz que está de cama, com febre, gripado, talvez com uma pneumonia, que o médico sugeriu até internamento e que talvez fosse melhor ela não ir.
Que faria? Tinham planejado aquele encontro há meses. Não conseguiria trocar a passagem assim, na véspera. Muito menos teria novas férias, quando, e se, ele ficasse curado. Merda!
Alô? ele repetiu. Diga alguma coisa, meu amor. Mais tarde, a custo ela disse, mais tarde. Ligo mais tarde, prometeu. Está bem, ele respondeu, termômetro numa mão, telefone na outra, lágrimas prestes a cair.
Ela não chorou. Jogou o telefone que, coitado, nem culpa tinha, no chão. Pegou o Santo Antônio, em cima da cômoda e, com o auxílio de um estilete, arrancou o Menino. Guardou-o na segunda gaveta da escrivaninha, a única que tinha chave. E, meio tonta de tristeza e frustração, Santo Antônio na mão, dirigiu-se à cozinha. O problema era gripe, talvez pneumonia, não era? Pois o santo ia ver o que era bom pra tosse. Abriu a geladeira e pôs o santo no meio dos iogurtes, na prateleira mais fria.
É o seguinte, meu caro, disse, se Miguel não ficar bom ainda hoje, daí você não sai. Vai ficar gelado até pegar uma pneumonia ou virar picolé. E fechou a porta. Não queria que o santo a visse chorar.
Depois, teve uma idéia melhor. Tirou o santo da geladeira e o colocou no congelador. Precisou remover as bandejas de carne e as caçambas de gelo. O diabo do santo era grande. Por fim, acomodou-o entre o pacote de salsichas e o tupperware com o resto de bobó de camarão do almoço da véspera.
Veja bem, falou séria, a custo contendo as lágrimas, sempre acreditei em você. Não queria fazer isso, mas é um caso extremo. Uma traição. Portanto, trate de curar Miguel rapidinho, porque se demorar, trago o Menino e o ponho aqui com você. E você sabe como é grave pneumonia em criança. Já imaginou o que lhe acontece se Ele adoece e morre?



Márcia Maia

3 comentários:

wind disse...

Gargalhadas, está delicioso:))))
Beijos

dade amorim disse...

E o pior é que a gente entende perfeitamente, só mesmo mulher faz uma coisa assim - mas faz!

Beijo, Marcinha.

Vésper disse...

Só agora pude visitar seu novo espaço. Este texto é ótimo! Boas risadas. Abraço
M. Esther Torinho