sábado, 20 de novembro de 2010

A Carta


Agora que é de tarde e já é tarde para arrependimentos, pergunto-me em silêncio: quanto de mim se foi naquela tarde? Ônibus lotado, seis e meia, quase noite. Sem lua.
Onde estaria se tivesse cedido, largado casa e filhos e a mãe já velha, doente?
A mãe disse pra eu ir, é verdade. Que amor não se encontra de novo se deixa-se partir. Que amor corre sempre pra frente, como rio. E perde-se na vida.
Mas fiquei.
E agora, esta carta. Tanto tempo depois.
Caminho até a praça de onde partem os ônibus. (Pra mim, eles sempre partiram.)   E dali ao cais, beira de mar bravio.
Novamente é tarde, seis e meia, quase noite. Sem lua. Azul denso. Maresia.
E ao surgir a primeira estrela, pequenina e minha, como tu dizias, deixo que a carta caia entre as ondas nas águas da noite-mar.
Sem abri-la.



Márcia Maia


4 comentários:

Udi disse...

por que tão triste?!

dade amorim disse...

Minha flor, essa mistura de nostalgia e desapego me fez pensar em coisas idas. Tão bonito.

Beijo.

L. Rafael Nolli disse...

Triste mesmo. Talvez a palavra "comovente" se encaixe melhor. É um belo texto que nós dá uma sacudida, Márcia. Me fez pensar na pobre mulher do "Caso do Vestido" do Drummond - gosto quando um texto me leva a outro e vai abrindo janelas.
Beijos.

Manuel Veiga disse...

cartas (não) jogadas...
beijos