sábado, 9 de abril de 2011

Aniversário




No dia em que a dor abrigou-se em sua casa, tomou uma decisão. Colocou na parede, um calendário. E enquanto dia a dia, mais tirana do que hóspede, invadia e devastava os recantos mais secretos de sua alma, ela esperava. A cada manhã, tendo sobrevivido a outra noite de terror, lágrimas, medo, e solidão, arrancava uma folha do calendário. A cada dia, uma dor, uma folha, menos um dia. Assim viveu durante quase um ano. Contando dias. Rompendo prazos. Colando cacos de alma e coração. Migalhas de amores. Agora, apenas uma folha restava. E a dor cicatrizara feito rocha em seu peito. Mas ainda imperava soberana sobre a casa. Acordou cedo. Fechou portas e janelas com cuidado. Em cada canto, porta, armário, piso, pia derramou solenemente a gasolina. E antes de riscar o fósforo e pôr fim à invasão e à tirania, arrancou a última folha do calendário.



Márcia Maia



2 comentários:

Ricardo Mainieri disse...

Márcia, embora o teor dramático do miniconto, ele está excelente.
Não precisamos, afinal, falar só de coisas lindas. As que findam também tem sua aura de qualidade.

Beijão.

Ricardo Mainieri

eduardo disse...

De facto, existem tragédias com que nos emocionamos. E reflectimos. Faz-nos debruçar sobre o nosso próprio destino e sorte.

Muito bem conseguido este teu rasgo nocturno, Márcia. Aliás, como todos os que abraço quando venho por aqui.